O I Festival Internacional Goitacá de Cinema, idealizado e produzido pela Quiprocó Filmes, encerrou sua primeira edição reforçando o compromisso com o desenvolvimento da indústria do cinema e do audiovisual divulgar o interior do Estado do Rio de Janeiro a partir da divulgação da Carta Goitacá, um manifesto elaborado no âmbito do Comitê Científico do Seminário de Cinema e Audiovisual do Norte e Noroeste Fluminense que convoca sociedade civil, iniciativa privada, universidades, agentes culturais e poder público a apoiar a criação da Escola Brasileira de Cinema e Audiovisual (EBCA) na UENF. Idealizada por Darcy Ribeiro há mais de três décadas, a escola não foi concretizada. Dentre outros aspectos, a Carta Goitacá reforça a importância de consolidar uma estrutura acadêmica permanente para formar profissionais em criação, pesquisa, preservação, produção e gestão do audiovisual, fortalecendo a economia do cinema e do audiovisual no Norte e Noroeste Fluminense.
O manifesto ressalta o potencial histórico e cultural da região, lembrando que Campos dos Goytacazes já teve cerca de 70 salas de cinema, foi cenário de produções nacionais e formou artistas como Tonico Pereira e Zezé Motta. Apesar disso, há carência de políticas públicas estruturantes e profissionais qualificados para atender ao crescimento do setor audiovisual. A Carta Goitacá enfatiza que o momento é propício, com iniciativas como a Lei Paulo Gustavo e a Política Nacional Aldir Blanc, que disponibilizam recursos inéditos para o desenvolvimento cultural.
“A Carta Goitacá é mais do que um manifesto, é um chamado coletivo para que o cinema reencontre, na Planície Goitacá, o seu lugar de invenção e potência criadora, possibilitando a criação de novas vocações produtivas que contribuam com o desenvolvimento econômico da região Norte e Noroeste fluminense”, afirma Fernando Sousa, diretor do festival.
O documento é assinado por professores, pesquisadores, artistas, gestores públicos e especialistas do audiovisual que compõem o Comitê Científico do Seminário de Cinema e Audiovisual do Norte e Noroeste Fluminense e do I Festival Internacional Goitacá de Cinema.
Confira a carta na íntegra:
CARTA GOITACÁ
Campos dos Goytacazes, 24 de agosto de 2025
Manifesto pela Escola Brasileira de Cinema e Audiovisual da UENF
Nós, professores, pesquisadores, artistas, produtores, preservadores, estudantes, gestores públicos e cidadãos do Norte e Noroeste Fluminense, reunidos em torno do Comitê Científico do Seminário de Cinema e Audiovisual do Norte e Noroeste Fluminense e do I Festival Internacional Goitacá de Cinema, nos dirigimos à sociedade e às instituições para afirmar a defesa da retomada do sonho interrompido de Darcy Ribeiro e Geraldo Sarno e criar, na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF, a Escola Brasileira de Cinema e Audiovisual (EBCA).
Há três décadas, Darcy Ribeiro concebeu a Escola Brasileira de Cinema e Televisão (EBCTV) em formato de residência, com dedicação exclusiva, integrando prática e teoria, inspirada no modelo da Escuela Internacional de Cine y TV de San Antonio de los Baños, em Cuba. Seu projeto, previsto para o Solar do Colégio dos Jesuítas, não se concretizou, mas deixou um legado de inspiração, resultando em realizações importantes no campo do cinema e do audiovisual. Algumas iniciativas pioneiras forjadas naquele contexto merecem destaque. Entre 1993 e 1998, Geraldo Sarno trabalhou na UENF, tendo ajudado a criar o Laboratório de Pesquisa e Tecnologia da Imagem (LPTI), do Centro de Ciências do Homem (CCH), que ao longo do tempo seria transformado no Laboratório de Cognição e Linguagem (LCL). Editada em conjunto pelo Laboratório de Pesquisa e Tecnologia da Imagem e pelo Centro de Tecnologia Audiovisual da Funarte, Sarno também foi importante na criação da “Cinemais – revista de cinema e outras questões audiovisuais”, uma das principais iniciativas editoriais na área do cinema e do audiovisual da década de 1990 e começo dos anos 2000, que reuniu um conjunto expressivo de publicações de cineastas, pesquisadores e produtores audiovisuais. Embora a EBCTV não tenha se tornado realidade, nessa esteira de realizações incipientes, destacam-se outras ações no campo do cinema e da cultura realizadas na UENF.
O Festival Artpoiese, o Cine Cabrunco, a Unidade Experimental de Som e Imagem (UESI) e, mais recentemente, o Cine Darcy, são alguns exemplos de iniciativas que compõem a cadeia produtiva do cinema e do audiovisual no Norte e Noroeste Fluminense. Trata-se de um conjunto de ações muito relevantes, mas institucionalmente dispersas. A proposta atualizada da Escola Brasileira de Cinema e Audiovisual nasce com objetivo de proporcionar uma estrutura acadêmica sólida, articulada e permanente, capaz de formar profissionais para atuar na criação, no desenvolvimento, na pesquisa, na preservação, na gestão, pública ou privada, nos diferentes campos, esferas, formatos, suportes e mercados da cadeia produtiva do cinema e do audiovisual, fortalecendo a economia criativa da região, conectando circuitos nacionais e internacionais.
O projeto articula-se com a histórica relação da região Norte e Noroeste Fluminense com o cinema. Ao longo do último século, Campos chegou a possuir cerca de setenta salas exibidoras, produziu e foi cenário de filmes e novelas que marcaram a memória audiovisual brasileira e também foi testemunha do nascimento de artistas que conquistaram projeção nacional, como é o caso de Tonico Pereira e Zezé Motta, que recebeu o título de doutora honoris causa pela UENF durante a abertura do I Festival Internacional Goitacá de Cinema. A história cinematográfica da região é rica e diversa, mas, ao longo do tempo, não foram criadas políticas públicas estruturantes capazes de manter vivas as redes de produção, exibição e formação.
O momento que vivemos é único. Através de políticas públicas recentes, como a Lei Paulo Gustavo e a Política Nacional Aldir Blanc, recursos inéditos chegam aos municípios brasileiros, abrindo possibilidade de investimentos duradouros na cultura e no audiovisual. Somente em 2023, a aplicação da Lei Paulo Gustavo injetou R$ 852 milhões na economia do Estado do Rio de Janeiro, gerando empregos, fortalecendo o mercado e ampliando a circulação de bens culturais.
A realidade do interior fluminense revela a urgência de ações específicas: na soma dos municípios do Norte e Noroeste Fluminense, quase 12 milhões de reais foram recebidos, mas ainda faltam quadros qualificados, equipamentos estruturados e políticas de longo prazo que transformem tais recursos em bens, processos contínuos e legados.
O setor do cinema e do audiovisual conta com um robusto arcabouço institucional, econômico-financeiro e regulatório formalizado, com destaque para alguns instrumentos que contemplam a dimensão da educação audiovisual, a saber: a Lei 14.533/2023, que institui o Plano Nacional de Educação Digital (PNED), e outros instrumentos que buscam promover cultura e o cinema nas escolas, como a lei 13.006/14 que obriga a exibição de filmes de produção brasileira nas escolas de educação básica do Brasil e as leis 10.639/03 e 11.645/08, que tratam da inserção da história e cultura afro brasileiras na educação. Trata-se de instrumentos legais que precisam ser implementados na prática a fim de garantir a formação no campo da cultura, do cinema e do audiovisual.
Apesar do grande potencial de consolidação das regiões do interior do estado do Rio de Janeiro como pólos da indústria audiovisual, os dados da ANCINE são o sintoma de um contexto que ainda possui grandes desafios. Segundo dados oficiais do Observatório do Cinema e do Audiovisual da ANCINE, o estado possui 2.455 produtoras cadastradas pela agência, sendo 6 delas em Campos dos Goytacazes, 9 produtoras em Macaé e apenas uma em Itaperuna.
A retomada da proposta de criação da Escola Brasileira de Cinema e Audiovisual na UENF se insere, portanto, numa estratégia mais ampla: suscitar e aprofundar a descentralização econômica, em especial do setor audiovisual, na região Norte e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro, além de enfrentar a histórica dependência do modelo econômico baseado no petróleo. É preciso fortalecer novas vocações econômicas para a região, capazes de articular inovação, formação de mão-de-obra qualificada, a valorização da identidade regional e a dinamização da economia local. As imagens em movimento, dos canais de influencers à publicidade e aos games, tendo o cinema e o audiovisual no centro do processo, pela sua capacidade de agregar valor simbólico e econômico, devem ser a força motriz desse desenvolvimento.
Ao articular ensino, pesquisa e extensão, a UENF é um polo estratégico de desenvolvimento de uma economia criativa robusta no interior do Estado, com impacto para além de suas fronteiras imediatas, alcançando municípios vizinhos do Espírito Santo e de Minas Gerais. A Escola de Cinema que defendemos não será apenas um centro de formação, mas também de produção, circulação, preservação e reflexão crítica sobre o campo do audiovisual, ancorado no compromisso com a diversidade cultural e com a potência criativa da região Norte e Noroeste Fluminense.
Não se trata apenas de recuperar um passado glorioso. Trata-se de projetar um futuro em que a cultura seja reconhecida como direito e como vetor de desenvolvimento. É preciso criar uma escola que forme técnicos, artistas, pesquisadores, preservadores e gestores; que estimule parcerias com produtoras, festivais, entidades de patrimônio, plataformas de exibição e com o poder público em todas as suas esferas; que seja capaz de dialogar com as demandas contemporâneas do mercado audiovisual e, ao mesmo tempo, preservar a função social do cinema como instrumento de pensamento crítico e transformação.
Por isso, convocamos a sociedade civil, os poderes públicos, as universidades, as empresas e todos os agentes culturais a se unirem em torno deste projeto. A Escola Brasileira de Cinema e Audiovisual consiste num processo de reivindicação ampla que articula a interiorização das políticas públicas e da indústria do cinema e do audiovisual: é uma aposta estratégica na capacidade do interior do estado do Rio de Janeiro de imaginar, criar e construir alternativas para si mesmo, com o potencial estratégico de contribuir para o desenvolvimento cultural, econômico e social da Região.
A tarefa que se coloca é transformar o sonho de Darcy Ribeiro e Geraldo Sarno em realidade e lançar as bases de um futuro em que o cinema reencontre, na extensa Planície Goitacá, o seu lugar de invenção.
Comitê Científico
- Prof. Adelia Miglievich-Ribeiro (UFES)
- Prof. Dra. Ana Rosa Marques Araujo Teixeira (UFRB)
- Prof. Dra. Ana Paula Nunes de Abreu (UFRB)
- Prof. Dr. David Maciel de Mello Neto (UENF)
- Prof. Dr. Edson Farias (UNB)
- Prof. Dr. Heitor Benjamim (UNIFLU)
- Hernani Heffner (Gerente da Cinemateca do MAM)
- Prof. Geraldo Timóteo (UENF)
- Fernando Sousa (PPGSP/UENF) Diretor do Festival Internacional Goitacá de Cinema
- Dr. Gabriel Ferreira Barbosa (Diretor Executivo do Festival Internacional Goitacá de Cinema)
- Prof. Dr. João Luiz Vieira (UFF)
- Prof. Dr. Paulo Gajanigo (UFF/Campos)
- Prof. Dr. Ricardo Oliveira de Freitas (UNEB)
- Tiago Quintes – (PPGCine/UFF)
Que assim seja!! Viva a cultura!!🙏🏻🙏🏻🇧🇷🇧🇷