(Arte: Gerd Altmann/ Pixabay)

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar, nos próximos meses, um caso que pode mudar profundamente o modelo de negócios do streaming musical no Brasil. Na ação original, Roberto Carlos e os herdeiros de Erasmo Carlos (falecido em 2022) argumentaram que os contratos firmados com a editora Fermata do Brasil entre 1964 e 1987 deveriam ser reavaliados, já que contemplavam apenas a exploração das obras em suportes analógicos — como LPs, CDs e DVDs — e não em plataformas digitais.

O recurso extraordinário chegou ao STF após decisões desfavoráveis tanto na primeira instância quanto no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Para Victoria Dias, advogada do Ambiel Advogados e especialista em Propriedade Intelectual, uma decisão favorável aos artistas tem potencial para redefinir o modelo de negócios do streaming no Brasil.

“Caso o Supremo Tribunal Federal entenda que contratos antigos de direitos autorais não autorizam a exploração em novas tecnologias, algumas cessões que eram consideradas definitivas poderão perder efeito no ambiente digital. Na prática, isso significa devolver aos criadores ou seus herdeiros o direito de decidir sobre a disponibilização de suas obras nas plataformas de streaming”, explica.

Com esse cenário, distribuidoras e plataformas não poderiam mais se basear exclusivamente nos contratos firmados com gravadoras ou editoras para licenciar músicas de catálogo. “Seria necessário negociar diretamente com os titulares originais dos direitos, como os próprios artistas ou seus espólios, para assegurar a transmissão digital dessas obras. Isso aumentaria o poder de barganha dos autores, que poderiam estabelecer novos termos de remuneração ou até condicionar a liberação de seus repertórios ao fechamento de acordos específicos para o streaming”, acrescenta a advogada.

Além disso, os autores da ação alegam que a remuneração atual é desproporcional e carece de transparência na prestação de contas. Para Victoria, uma decisão favorável pode abrir caminho para a revisão desses modelos de remuneração, exigindo que plataformas e intermediários aumentem os repasses ou até suspendam a veiculação de determinados conteúdos enquanto novos contratos não forem formalizados.

“O setor pode passar por um verdadeiro ajuste de contas, com renegociação de direitos, custos adicionais com royalties e possíveis impactos no modelo de negócios de toda a cadeia da música digital”, afirma a especialista.

Direitos autorais e o futuro da indústria criativa
O desfecho desse caso no STF pode ultrapassar o universo da música e abrir precedentes para outros setores da indústria criativa. Se o Supremo estabelecer que contratos firmados antes da era digital não cobrem automaticamente novas formas de distribuição, produtores, roteiristas e atores poderão, por exemplo, questionar contratos antigos de audiovisual que previam apenas exibição em TV, VHS ou DVD. “Situação semelhante ao que já ocorreu em Hollywood, com renegociações envolvendo serviços como Netflix e Disney+, que operam em modelos impensáveis na época da assinatura de muitos contratos”, diz Victoria.

Na mesma linha, Fernando Canutto, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Empresarial e Propriedade Intelectual, entende que a tese jurídica aprovada pelo STF servirá como orientação para todos os demais processos em curso nos tribunais brasileiros, e não ficará limitada ao mercado fonográfico.

“Setores como audiovisual, games e podcasts, que também dependem de contratos firmados nas décadas anteriores, poderão revisitar acordos que não previam streaming, downloads ou distribuições digitais. Isso gera preocupação quanto à estabilidade de contratos antigos e reforça a necessidade de cláusulas específicas que abordem o digital”, completa o especialista.

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