Seis atores se revezaram no papel de Salvador Dalí (Foto: Divulgação/ Bonfilm)

Deixar-se levar pelos delírios do artista espanhol Salvador Dalí em vez de tentar compreendê-los – algo que nem ele mesmo dizia conseguir. Esse é convite feito por Quentin Dupieux (Rubber, o Pneu Assassino/Mandíbulas/O Segundo Ato) no anárquico e delicioso “Daaaaaalí!”, comédia francesa nonsense que chega aos cinemas brasileiros no dia 5 de junho depois de exibições no Festival de Veneza e no Festival Varilux de Cinema Francês, em 24. No elenco, nomes com Anais Demoustier, Gilles Lellouche, Edouard Baer, Jonathan Cohen, Pio Marmai, Didier Flamand e Boris Gillot. A codistribuição é uma parceria da Bonfilm e da O2 Play. O filme entra em cartaz em cinemas de Maceió, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.

Visto por quase meio milhão de pessoas em seu país de origem, o filme mergulha no universo onírico do mestre do surrealismo recorrendo ao absurdo, à fantasia e ao humor, elementos próprios do movimento artístico, para apresentar Dalí, por assim dizer, na prática. Para isso, brinca com o espectador, surpreendendo-o com cenas inusitadas, libertando-o do vício da razão e ecoando uma conhecida frase do artista: “O importante é espalhar a confusão, não eliminá-la”.

A proposta se traduz de diversas formas na tela. Distorcer o tempo e o espaço é um dos recursos de Dupieux que dialogam com os famosos relógios derretidos de “A Persistência da Memória”. Em uma das primeiras cenas, enquanto Dalí percorre um corredor curto de hotel a passos largos por intermináveis minutos, uma repórter e sua produtora executam diversas tarefas a sua espera, como ir ao banheiro, pedir água no quarto e receber antes da chegada do artista. O diretor recorre também a várias camadas de metalinguagem, como na sequência em que um padre narra ter sonhado durante um sonho, cujos elementos surgem posteriormente até descobrirmos ainda se tratar de um sonho.

Na trama, Judith, vivida pro Anais Demoustier (Alice e o Prefeito/Viver Só de Amor) é uma jornalista pouco experiente que tenta obstinadamente uma entrevista com Dalí. Ela quase ocorre em diversos momentos, mas sempre é frustrada por caprichos narcisistas do gênio espanhol, cuja personalidade excêntrica é retratada de forma cômica por seis diferentes atores (Gilles Lellouche, Edouard Baer, Jonathan Cohen, Pio Marmai, Didier Flamand e Boris Gillot). Quatro deles se revezam de forma aleatória ao longo do filme e, por vezes, da mesma cena, em outra espirituosa brincadeira de Dupieux.

Segundo Quentin Dupieux, a proposta de trazer seis atores representando o artista foi parte de seu desejo de fugir de um filme biográfico. Segundo ele, numa biografia “todos esperam uma atuação. Como fulano vai interpretar este ou aquele cara que todo mundo conhece? Pode ser impressionante às vezes. Mas apenas por dez minutos. Não mais do que isso. E depois? Misturar os Dalís e pedir a vários atores para interpretá-lo mantém a diversão. Você não pode ficar entediado. Você sempre se surpreende. Deixei que cada ator inventasse seu próprio Dalí, adotando seu próprio fraseado francês característico”, revela.

O longa traz ainda menções a obras e à vida de Salvador Dalí. A cena inicial é uma reprodução de “Fonte Necrófila Fluindo de um Piano de Cauda”. O mesmo ocorre com “Dalí Visto de Costas Pintando Gala de Costas Eternizado por Seis Córneas Virtuais Provisoriamente Refletido por Seis Espelhos Reais”. Também estão presentes corpos e objetos distorcidos, entre outros elementos encontrados frequentemente nos trabalhos do espanhol. Figuras emblemáticas em sua trajetória também surgem na tela, como a mulher e musa Gala (Catherine Schaub-Abkarian) e o cineasta Luis Buñuel (Philippe Caulier), seu amigo. Já o motorista Pablo (Philippe Dusseau) remete a Picasso, admirado por Dalí.

Indagado em entrevista se o filme seria uma biografia do artista espanhol, Dupieux negou categoricamente a intenção: Definitivamente não é a vida de Dalí. Acompanhamos este jornalista que quer entrevistá-lo e depois fazer um filme sobre ele. Mas a cada encontro, a cada tentativa de fazer o mestre falar, ele escapa, e o filme também. É um loop infinito, um filme que parece uma caça ao tesouro sem objetivo que te deixa tonto. Dalí está em todo lugar e em lugar nenhum. Quando imaginei este filme, rapidamente percebi que não deveria fazer um filme sobre Dalí, mas com Dalí. Tentar encontrar uma forma de liberdade que sua obra me inspire. Não me interessa contar a história de Dalí na escola de arte, explicar suas frustrações e ambiguidades, ou filmar o artista em ação. Gosto de Dalí como homem, como um gênio da comunicação, quase mais do que de Dalí como artista. Adoro a maneira como ele constantemente tentava escapar de sua imagem brincando com ela. Essa é a homenagem do filme a Dalí. Um não-filme sobre Dalí para um cara que jamais gostaria de ser colocado em uma caixa, acredita.

A facilidade do cineasta em transitar por este universo não surpreende já que o surrealismo e especificamente Buñuel, um de seus expoentes, foram uma referência desde os primeiros filmes de sua bem-sucedida carreira. Em 2024, coube a ele a honra de abrir o Festival de Cannes com “O Segundo Ato”, estrelado por Léa Seydoux (Meia-noite em Paris/007 – Sem Tempo pra Morrer).

DAAAAAALÍ!
Estreia: 5 de junho de 2025 – Maceió, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo
2024 / 1h18 / Comédia dramática
Classificação indicativa: Livre
Com: Anais Demoustier, Gilles Lellouche, Edouard Baer, Jonathan Cohen, Pio Marmai
Direção: Quentin Dupieux
Codistribuição: Bonfilm e O2Play
Sinopse: Uma jornalista francesa encontra icônico artista surrealista Salvador Dalí em várias ocasiões, para um projeto de documentário cuja realização se revela bem difícil e cheia de surpresas.
FESTIVAL DE VENEZA 2023

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